Buenos Aires, 22 fev (EFE).- Apenas 300 milésimos de segundo são o suficiente para o cérebro humano gerar uma lembrança, o tempo que os "neurônios de conceito" levam para relacionar imagens, segundo uma recente descoberta de cientistas argentinos.
A nova aproximação do mistério da memória humana chega pelas mãos dos argentinos Rodrigo Quian Quiroga, diretor do Centro de Neurociência Sistêmica da Universidade de Leicester na Grã-Bretanha, e Hernán Rei, que acabam de publicar a descoberta na revista "Current Biology".
"Em geral, a formação da memória envolve uma associação de conceitos. Por exemplo, 'lembro de ter me encontrado com um amigo quando fui ao cinema' implica dois conceitos: 'um amigo' e 'fui ao cinema', que se associam para formar uma nova memória que é a de ter encontrado um amigo no cinema", explicou à Efe Quian Quiroga.
"Já há um tempo demonstramos que há neurônios no cérebro que codificam conceitos. Esses neurônios o cérebro usa para formar memória e têm um tempo de disparo", esclareceu, em conversa telefônica da Grã-Bretanha.
"Assim que o estímulo sensorial - como ver uma pessoa - chega, 300 milésimos de segundo depois esse neurônio dispara (um impulso) e esse é o tempo durante o qual o neurônio é ativado para a formação da memória", continuou.
O fenômeno é diferente de outros processos cognitivos - como, por exemplo, decidir sobre pegar um táxi ou ir de ônibus ou prestar atenção a algo que te emociona - já que envolvem outros neurônios, em outras regiões do cérebro, e outros tempos.
Quian Quiroga e sua equipe estudam a resposta do cérebro em pacientes candidatos à cirurgia por epilepsia, aos que avalia-se com eletrodos em várias áreas do cérebro que registram a atividade neuronal.
"Um eletrodo é como uma agulha que tem um milímetro de diâmetro, e permite escutar atividade dos neurônios, como se você introduzisse um microfone no cérebro de uma pessoa e pudesse ouvir", explicou Quian Quiroga.
A memória está distribuída em várias partes do cérebro, não há um lugar específico que funcione como "baú das lembranças", mas sim uma área específica envolvida em sua construção - o hipocampo.
"Se não temos essa área, não podemos gerar novas memórias, há muitas evidências na neurociência, mas principalmente sabemos disso por um paciente que não tinha hipocampo e não conseguia ter novas lembranças", acrescentou o cientista.
"É muito parecido com o caso do filme 'Amnésia' (Christopher Nolan, 2000). De fato, foi baseado nesse paciente. É uma pessoa que tudo que acontece com ele não pode guardar na memória, todas as coisas que lhe acontecem caem diretamente no esquecimento", prosseguiu.
No hipocampo estão localizados os "neurônios de conceito", especializados nesse tipo de codificações por sua hierarquia nos processos cognitivos.
Pela descoberta dos "neurônios de conceito" é preciso agradecer a Quian Quiroga e, de certa forma, à atriz americana Jennifer Aniston.
"O primeiro neurônio de conceito que encontrei, que as pessoas chamam de 'neurônio de Jennifer Aniston', foi batizado assim justamente porque eu mostrava várias fotos de Jennifer Aniston e o neurônio respondia e se mostrava fotos de qualquer outra pessoa, por exemplo, de Julia Roberts, não fazia", apontou.
Também encontrou outros neurônios que respondiam a Halle Berry, Oprah Winfrey e outros personagens famosos da cultura americana há uma década, já que a pesquisa aconteceu na universidade de UCLA de Los Angeles, o ano em que Aniston estava na crista da onda da popularidade pela exibição da última temporada de "Friends".
Quiroga não fica incomodado que sua grande descoberta tenha entrado para a história da ciência como "o neurônio de Jennifer Aniston". Para o pesquisador, "é divertido".
As descobertas não servirão por enquanto para curar doenças como o Alzheimer, porque ainda há um longo caminho para entender totalmente como funcionam os mecanismos da memória.
"O cérebro não é apenas o grande desconhecido do corpo humano, mas do universo. Como ele funciona continua sendo um dos enigmas da ciência. Quando se pergunta a um cientista quais são as cinco grandes perguntas de nossa época, uma certamente vai ser o funcionamento do cérebro", concluiu.
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